Clarice demanda explicações

Clarice demanda explicações

03 de junho de 2021

A coluna da Bicca aborda de maneira leve e descontraída temas relevantes sobre ciência e saúde. Seus personagens e seus questionamentos abrem portas para explicações e reflexões descomplicadas.


Número 2 - Clarisse demanda explicações


- Manhêeeeeee! A senhora pode me dizer o que quer dizer “feique niuzi”?!
- Que foi Lice, como assim “feique niuzi”?!
- Esse nome estranho que eu ouço de tudo que é lado na escola, é a tia da cantina, e do tio da portaria, da professora na hora do lanche.
- Lice, Fake (feique) News (niuzi) é uma expressão tirada do Inglês. E aí, “feique” quer dizer falso, e “niuzi” quer dizer notícia. Então você, como a menina esperta que é, já sabe que isso quer dizer:
- Notícias falsas!!!  
(as duas pronunciam juntas)
- E as pessoas gostam de espalhar isso por aí? Qual o sentido dessa vida manhê?!? Clarice leva as mãos à cabeça, apoiando as palmas uma de cada lado da testa e fazendo bico de quem sopra velas de aniversário.
- Lice, as pessoas grandes são complicadas, elas gostam de acreditar nos seus próprios intuitos, nas suas verdades, tentando escapar do óbvio, só para contrariar, ou se safar de uma enrascada.
- Ah mãe, as pessoas pequenas também!

Mais tarde no banheiro lavando a mão com água e sabão por 20 segundos, antes de sentarem à mesa para comer, Lice e Lins trocavam uma ideia.
Lice, o que foi que você e a mãe tanto conversaram hoje?
- Mamãe estava explicando muitas coisas, mas o mais legal é que eu pedi para ela me explicar o que é “feique niuzi”, finalmente.
- E o que é Lice?
- É quando você fala para todo mundo na escola que você fez a tarefa, e diz até para professora, crente que está abalando mas, na verdade, você não fez.

Essa ‘palavra’ que parece tão politizada, difícil, cheia de pompa, rebuscada, extraordinária, é apenas uma palavra de fora, que foi importada, como muitas das outras coisas que importamos. Que poderia ser facilmente banalizada, no bom português, não passa de um “papo furado”. Fake News não é somente um nome para generalizar notícias criadas e inventadas, é uma tentativa de tornar elitizado um movimento, que de educativo ou bem-preparado, não tem absolutamente nada. É a mais pura contradição na sua essência linguística. É a estagnação da insensatez.
A arte de divulgar o que se pensa, sem checar a fonte, é uma arte bem conhecida da nossa espécie “sapiens”, humana. Chama-se fofoca e foi por meio dela, em parte, que conseguimos superar outros Homo e estabelecer sociedades. A fofoca começou com um achismo, em seguida, virou opinião baseada na opinião alheia, depois virou evidência, e anos de evolução depois virou Fake News. Tudo isso não passa de argumentos e histórias que foram inventadas com torpe propósito de ludibriar, e claro, sempre com interesse de alguma parte.
A ciência faz a pergunta e idealiza maneiras de fazer o experimento/teste para obter a resposta. Isso é um fato. Fato que foi testado hoje e reportado oficialmente, e que pode ou não ser contrariado por outro fato, ou seja, que passou pelo mesmo processo criativo da ciência, tempos depois, em sua maioria tendo o primeiro como base. Não há invenção, há uma pergunta e uma resposta. Sendo a resposta aquela que a gente inicialmente queria, ou não (a famosa hipótese). Os fatos não vêm para comprovar o que a gente acredita que é verdade. Os fatos vêm para creditar com provas fragmentos da verdade. Goste a gente ou não. A vida exige provas: o teste do pezinho, o teste para passar de ano, o teste para conseguir aquele emprego, teste para passar na faculdade, teste para um papel importante, teste para um concurso... A gente exige provas também: para assumir o cargo, para assumir a vaga, para condenar em um julgamento, para casar, para alugar a casa, para abrir uma conta no banco. Ou seja, vivemos num sistema baseado na evidência, nas provas, mas nas Fake News “nóis acredita”.

Maíra Assunção Bicca
Maíra Assunção Bicca

Farmacologista e Neurocientista
Pós-doutorado em Imunofarmacologia (UFSC - 2016) e em Neurobiologia (Northwestern University - 2017-2019)
Research Fellow no Neurosurgery Pain Research Institute - Departamento de Neurocirurgia e Neurociência da Johns Hopkins School of Medicine.

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